domingo, 25 de outubro de 2009

A jornada de Gumercindo Saraiva numa revolução surreal




A Revolução Federalista ocorrida entre 1893 e 1895, é um dos episódios mais violentos da história do Brasil, com direito a degola de prisioneiros, de ambos os lados em disputa, federalistas e republicanos e vingança desenfreada contra partidários de cada lado. É o período de consolidação da República, proclamada em 1889, e a autonomia do estados, com constituição própria. O principal líder republicano no Rio Grande do Sul era Julio de Castilhos, do Partido Republicano Rio Grandense, e governador do Estado. Foi um dos fundadores da república no Brasil, assim como outros líderes da época, entre eles, Joaquim Francisco de Assis Brasil. Pelo lado Federalista os principais líderes eram Gaspar Silveira Martins, senador do Império, líder do Partido Liberal no estado, e João Nunes da Silva Tavares, o Joca Tavares, estancieiro e caudilho em Bagé, General veterano de outras guerras. Entre as causas da revolução está o confronto de idéias e de líderes: Julio de Castilhos impunha uma constituição de cunho positivista escrita em sua essência por ele mesmo, desagradando muitos dos antigos chefes políticos. O poder estava no estado forte. Para impo-la e fortalece-la determinou a ordem: "Não poupe adversários, castigue-os nas pessoas e nos bens, respeitando as famílias". Outro importante personagem dessa luta foi Gumercindo Saraiva, meio brasileiro, meio uruguaio, nascido em 1852, na Freguesia de Nossa Senhora das Graças de Arroio Grande, hoje município de Arroio Grande-RS, e criado em Cerro Largo, República Oriental do Uruguai, pois seu pai tinha propriedades por lá. Na época da proclamação da república, cuidava das propriedades da família e morava em Santa Vitória do Palmar, onde também era delegado de polícia nomeado ainda no tempo do Império com apoio de Gaspar Silveira Martins, por também ser do partido Liberal. Cargo que veio a perder com a República. Em função disto sofreu perseguições políticas e acusação de homicídio, sendo absolvido logo em seguida. Com o recrudescimento das hostilidades contra os inimigos dos Republicanos, vários chefes federalistas e seus correligionários migraram para o Uruguai e montaram sua base de reunião na cidade de Melo, próxima a fronteira, donde planejavam entrar novamente no Rio Grande do Sul, com o exército denominado de Libertador com o objetivo de acabar com a ditadura de Julio de Castilhos. A invasão aconteceu em fevereiro de 1893 a partir do passo de Aceguá, município de Bagé na época, todos de lenço vermelho no pescoço e como vinham do Uruguai, seus inimigos os apelidaram de Maragatos (provenientes de uma região da Espanha). Já os republicanos receberam o apelido de Pica Paus em função da faixa branca que utilizavam no chapéu, caracteristica de uma espécie de pica pau da região. O primeiro grupo a invadir foi o de Gumercindo Saraiva que juntamente com seu irmão Aparício, que logo após a revolução, iria tornar-se o principal caudilho do partido Blanco no Uruguai, lideravam 400 homens, na vanguarda, aguardando a invasão dos demais liderados pelo General Joca Tavares, que eram cerca de 3000 homens. Após vários combates na região e a junção de mais tropas, marcharam ao rumo de Alegrete e encontraram-se com o exército legalista comandados pelo General Hipolito Ribeiro, na margem do Rio Inhanduí onde deu-se a batalha que levou esse nome. Num total de 6500 federalistas e 4000 republicanos lutaram por seis horas, tendo os federalistas se retirado quando a batalha ainda era incerta. A retirada foi determinada, principalmente, pela suposta aproximação das tropas do General João Telles na retaguarda dos rebeldes, sendo outro determinante a superioridade em armas dos legalistas. O exército libertador retirou-se rumo a Santana do Livramento onde passou a fronteira para recompor-se no lado uruguaio. Julio de Castilhos já comemorava o fim da revolução quando soube da notícia que Gumercindo Saraiva tinha permanecido no Estado com seus 400 lanceiros e estava combatendo as forças republicanas na campanha, em guerrilha. Aparecia e desaparecia com facilidade, invadindo e tomando cidades cujo intendente era republicano. Sua fama logo correu pelo Rio Grande e todos os chefes perguntavam-se quem era essa castelhano que tomava a iniciativa e estava prosseguindo com a guerra. Vend0 seu sucesso, parte do exército libertador recuperado e bem armado invade novamente o Estado sob comando do General Oliveira Salgado e logo Gumercindo junta-se a ele, num total de 1700 homens. Venceram 0 combate do Cerro do Ouro em São Gabriel, contra 1200 homens do exército republicano comandado pelo coronel Francisco Portugal, sendo esta uma derrota humilhante para os republicanos. Com isso a chamada Divisão do Norte, tropas legalistas organizadas por José Gomes Pinheiro Machado, senador da república e amigo de Julio de Castilhos, começa a persegui-los. Neste meio tempo a guerra toma rumos diferentes. No Rio de Janeiro a marinha levanta-se contra o regime ditatorial do presidente Floriano Peixoto, episódio chamado de Revolta da Armada, e partem para o sul, para apoiar os revoltosos. Desembarcaram em Desterro, onde hoje é Florianópolis capital de Santa Catarina, e lá instalam o Governo provisório da República cujo novo presidente é o Capitão de Mar e Guerra Frederico Guilherme de Lorena, apoiados já neste momento pelos federalistas gaúchos e oficiais da Armada. Gumercindo e Salgado rumam para o norte, entram em Itaqui, Cruz Alta e Passo Fundo, sempre perseguidos pela Divisão do Norte, onde travam pequeno combate com parte dessas tropas em Mato Castelhano, próximo a Passo Fundo. O Governo Brasileiro envia o General Francisco de Paula Argolo do Rio de Janeiro ao Paraná para assumir o comando das forças que expedicionariam a Santa Catarina para terminar com o governo provisório e paralelamente parte outra do Rio Grande do Sul, sob o comando do General Arthur Oscar. É então que os federalistas atravesam o Rio Pelotas e passam a Santa Catarina, e aí dividem-se: A coluna de Salgado parte para Tubarão, com objetivo de chegar a Desterro, e a de Gumercindo para os lados de Lages. A revolução que tinha um objetivo estadual, torna-se nacional a partir do sul. Partindo com 1600 homens, Gumercindo irá fazer uma jornada até o Paraná levando a revoluçao aos três estados do Sul. Conduzindo homens e cavalos por caminhos difíceis, abrindo picada no mato intocado das regiões serranas. A coluna atinge Blumenau descendo embarcada pelo rio Itajaí, logo em seguida passando a Itajaí. A Divisão do Norte persegue-o atravessando também para Santa Catarina, e atinge Blumenau, onde Gumercindo deixa parte de sua coluna com 300 homens para combate-la. Os republicanos tomam Itajaí e forçam a retirada dos federalistas, porém retornam ao Rio Grande do Sul para combater o revolta lá. A coluna de Gumercindo encontra-se em São Francisco do Sul (SC) e combinam o plano de invasão do Paraná. A força do exército brasileiro comandada por Argolo chega a São Bento, onde declara tomar posse do governo de Santa Catarina como interventor, porém não tem tropas suficientes para combater Gumercindo e volta ao Paraná onde é substituido pelo coronel Gomes Carneiro. A coluna federalista divide-se em duas, e Gumercindo ataca a praça de Tijucas (SC), enquanto a outra comandada pelo General Piragibe invade o Paraná e ataca Lapa defendida já pelo Coronel Gomes Carneiro onde acontece o cerco desta cidade, com combates ferrenhos de parte a parte nas ruas de Lapa, com grandes perdas dos dois lados e terminando com a morte do próprio coronel Gomes Carneiro, ferido em combate. Tijucas em Santa Catarina cercada por Gumercindo também capitula e este ruma para Lapa a juntar-se ao restante da coluna. Em Curitiba o governador legal Dr. Vicente Machado abandona a cidade e parte para São Paulo. Após a capitulação da Lapa e com caminho livre até Curitiba, os revolucionários instauram o governo provisório e partem para Ponta Grossa onde Gumercindo planeja invadir São Paulo, ao mesmo tempo que aventa a possibilidade da independência dos três estados meridionais. Porém o governo brasileiro diante da ameaça desse caudilho reforça as tropas do Paraná, vindas de São Paulo e ruma em direçao a Ponta Grossa. Gumercindo parte para o Rio Grande com cerca de 5000 homens, fazendo a contramarcha, onde os aguarda a Divisão do Norte. Por caminhos ingremes e de mato fechado, homens e cavalos levados a exaustão entram novamente no Estado em maio de 1894 de onde haviam saído em outubro de 1893. Em junho encontram-se com a Divisão do Norte em Passo Fundo e travam a Batalha da Fazenda dos Melos, e, com a impossibilidade de utilizar a cavalaria devido ao terreno impróprio, são derrotados. Gumercindo tem por objetivo chegar novamente ao pampa seu local de origem e onde tem mais possibilidades de combater com a cavalaria sua arma preferida. Ruma para o lado das missões, acesso mais rápido a campanha rio grandense, onde na localidade de Carovi, município de Santiago, trava novo combate com a Divisão do Norte. Enquanto estava desmontado, próximo a um capão de mato, observando as cargas de seu irmão Aparício no comando da cavalaria, um tiro partindo de uma tocaia no mato o fere mortalmente. Vendo o seu comandante ferido, seu irmão e demais companheiros retiram-se e levam-no em uma carroça onde morre logo em seguida, em 10 de agosto de 1894. Seu corpo é sepultado num local próximo donde combateram, e dois dias depois é desenterrado pelas tropas republicanas. Teve sua cabeça decepada e o corpo deixado fora da sepultura. Segundo a lenda, a cabeça foi colocada em uma caixa de chapéu e enviada a Júlio de Castilhos como prêmio da derrota do caudilho que tanto havia importunado-o. Essa é mais uma das bizarrices a qual essa guerra foi palco. Enquanto Gumercindo estava em Santa Catarina, as forças do exército Libertador comandada por Joca Tavares retorna ao Rio Grande do Sul e trava combate com forças republicanas próximas a Bagé, comandas pelo General Isidoro Fernandes e pelo coronel Maneco Pedroso, este um republicano ferrenho que estava invadindo estâncias de federalistas, matando e destruindo o que estivesse pela frente. Pois então as tropas de Joca Tavares os derrotam em Rio Negro, no município de Bagé, e fazem cerca de 300 prisioneiros, que são passados na faca, degolados, por vingança. Os republicanos também tiveram a sua no combate do Boi Preto em Palmeira das Missões, onde 370 prisioneiros maragatos foram degolados ou fusilados. Assim como em Santa Catarina e no Paraná, com a derrota dos federalistas, houve fusilamento dos presos políticos, inclusive do presidente provisório Frederico Guilherme de Lorena. A superioridade de armamento dos republicanos leva vantagem na maioria dos combates, o que leva a maior parte dos chefes federalistas procurem exílio nos países vizinhos. Ainda teve um ultimo combate em junho de 1895, onde marinheiros a "cavalo", com a presença do Almirante Saldanha da Gama, oficial da marinha, condecorado em batalhas importantes do passado, proveniente do Rio de Janeiro, de onde saiu após a Revolta da Armada, são completamente derrotados por tropas republicanas composta de campeiros acostumados com o pampa da região de Santana do Livramento, e onde o próprio Saldanha da Gama morre atravessado por uma lança numa carga de cavalaria. Em 23 de agosto de 1895 faz-se a paz em Pelotas, com a presença do General Galvão de Queiroz, representando o governo brasileiro, e Joca Tavares, este pede a anistia aos rebeldes do Rio Grande do Sul e da Armada Nacional a qual é concedida. Após a guerra a campanha estava destruida, estâncias foram saqueadas e durante muito tempo este episódio histórico foi apagado dos livros em função da violência o qual foi travado e do profundo trauma que causou na sociedade Rio Grandense, o que ainda perdurou por um tempo até o fim da república velha. O saldo final de mortos foi cerca de 10.000. Gumercindo Saraiva virou uma lenda na campanha em função do rumo o qual deu a guerra, da jornada que empreendeu e por causa de sua cabeça. Seus restos mortais, foram achados, graças a um lavrador que voltou a enterra-los após a retirada da cabeça, e posteriormente levados ao Uruguai, e de lá voltou ao Brasil em seu mausoleu no cemitério de Santa Vitória do Palmar, onde até hoje é visitado por gaúchos. Um relato fiel da jornada de Gumercindo Saraiva é o livro do médico de sua tropa Dr. Angelo Dourado, Voluntários do Martírio, baseado em seu diário. SUGESTÃO E FONTE BIBLIOGRAFICA: A CABEÇA DE GUMERCINDO SARAIVA, TABAJARA RUAS E ELMAR BONES, EDITORA RECORD, 1997; VOLUNTÁRIOS DO MARTÍRIO, ANGELO DOURADO, MARTINS LIVREIRO, 1997; OS CRIMES DA DITADURA, RAFAEL CABEDA E RODOLPHO COSTA, MEMORIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2002; A GUERRA CIVIL DE 1893, SERGIO DA COSTA FRANCO, EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL, 1993. IMAGEM: FOTO DE GUMERCINDO SARAIVA NO CENTRO SENTADO E SEU IRMÃO APARÍCIO A SUA DIREITA.

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